Estamos vivendo um momento de grandes mudanças, isso é inegável.
São tantas as informações, contextos e explicações que nos sentimos desorientados. Não ficarei tentando dar sentido a tudo o que está acontecendo, até porque sinto que só conseguiremos compreender melhor após um distanciamento que apenas o tempo nos trará.
Fato é que, estamos vendo todas as nossas relações sendo colocadas a prova. A necessidade de confinamento tem posto uma lupa nas relações e aquilo que se evitou olhar, agora salta na frente e pede atenção, não há como se esconder. Temos observado casais brigando ou se reencontrando, fortalecendo vínculos ou se afastando e isso é bom, pois é um convite à mudança. Se antes era possível cada um se refugiar em seus afazeres fora de casa, agora são obrigados a conversar, negociar, brigar, não dá para fugir do convívio com o parceiro ou parceira através de encontro com amigos, academia, amante, enfim coisas que nos fazem bem quando não são subterfúgios para nos afastar da intimidade do casal. Alguns se divorciarão, outros fortalecerão laços, outros voltarão a manter um relacionamento de conveniência, mas com certeza todos de alguma forma irão ser tocados pela obrigatoriedade do convívio.
No tocante às relações entre pais e filhos o grande desafio, principalmente para os pais que têm de trabalhar em casa, é cuidar dos afazeres domésticos, dar conta das demandas escolares dos filhos e ainda promover-lhes distração e lazer. As famílias, as escolas e as empresas não se prepararam para esta situação e ironicamente parece que ninguém está disposto a abrir mão de cobranças. Isso é cruel para a maior parte das crianças e dos pais, pois a exigência é grande. O convívio diário é um convite aos pais a se colocarem como pais maiores do que seus filhos. Mais do que nunca os limites estão sendo de suma importância, as rotinas e regras fundamentais para um convívio harmonioso e isso também é bom, afinal pode promover mudanças. Empresas e escolas precisarão flexibilizar para abrir espaço a esta nova configuração de trabalho e família. Aliás, as relações de trabalho também estão sendo revistas e alguns não sobreviverão, enquanto outros sairão mais fortalecidos. Novamente, a crise chama à mudança.
Outra relação que nos comove e causa desconforto é o paradoxo entre a prevenção e o impacto econômico. Sim, é importante o confinamento para a contenção da pandemia, mas também como julgar aqueles que não têm escolha diante da impossibilidade de ficar em casa, pois temem pela própria subsistência. A economia está abalada e aqui também as relações de auxílio e recuperação necessitarão ser revistas.
Quando observamos a relação com a natureza percebemos como este momento nos ensina a rever a postura diante do nosso planeta que rapidamente se recupera quando nos aquietamos e deixamos que as coisas aconteçam sem tanta interferência.
A relação que mais exigirá um novo olhar é a relação conosco. O momento convida a reflexões, quebra de paradigmas, revisão de valores, de crenças e acima de tudo olhar para nossa criança interior. Naqueles momentos em que o desânimo, a revolta, os sentimentos de inconformismo surgem, devemos olhar para nossa criança. É ela que não compreende, que quer respostas sobre o que está acontecendo, sobre o sentido desse momento e quando tudo isso irá acabar. Não adianta se render às birras dela, mas também não resolve brigar com ela. A hora é de acolhermos nossos medos, nossas angústias, conversar com nossa criança interna, pegá-la no colo e acalentar com a segurança e a certeza de que tudo irá passar. Quando? No tempo coletivo, não no individual, no tempo sistêmico, algo maior, como um instinto grupal que busca restabelecer a ordem, com a confiança do adulto que sabe que nada é permanente, nem mesmo a crise.
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