Como evitar que os filhos fiquem traumatizados?
Muitas vezes no consultório recebo mães que me perguntam sobre o que fazer para evitar que seus filhos fiquem traumatizados ou repitam os padrões de sua família ou sofram como elas sofreram em suas infâncias. Respondo que a única maneira de garantir que filhos não recebam sua herança emocional e afetiva é não ter filhos.
Explicando melhor…
Durante muito tempo se pensou que os filhos recebiam uma carga genética que determinava aspectos fisiológicos e o desenvolvimento emocional e afetivo se devia à aprendizagem e interação com o meio. Dentro desta perspectiva poderia-se até supor que a educação dada pelos pais influenciaria ou mesmo determinaria fortemente o desenvolvimento afetivo e emocional da criança. Porém com o desenvolvimento dos estudos da epigenética, dos campos morfogenéticos, das constelações familiares, não há como sustentar a crença de que os pais possam controlar o destino dos filhos e impedir que eles sofram.
Estudos científicos mostram que hábitos da vida e o ambiente social podem modificar o funcionamento de genes e, portanto, experiências ocorridas com os pais podem ser transmitidas aos filhos através do que se chama herança epigenética, ou seja, modificações do genoma podem ser herdadas pelas gerações seguintes, mas não alteram a sequência do DNA e isto pode interferir em comportamentos.
A teoria dos campos morfogenéticos foi criada pelo fisiologista inglês Rupert Sheldrake. “Segundo o cientista, os campos morfogenéticos são estruturas invisíveis que se estendem no espaço-tempo e moldam a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo material. Todo átomo, molécula, célula ou organismo que existe gera um campo organizador invisível e ainda não detectável por qualquer instrumento, que afeta todas as unidades desse tipo. Assim, sempre que um membro de uma espécie aprende um comportamento, e esse comportamento é repetido vezes suficiente, o tal campo (molde) é modificado e a modificação afeta a espécie por inteiro, mesmo que não haja formas convencionais de contato entre seus membros.” ¹
A metodologia das Constelações Familiares, desenvolvida pelo psicoterapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger, afirma que todo ser humano nasce em um sistema familiar com o qual compartilha um destino comum. Este sistema existe há muito tempo e nele muitas gerações vivenciaram histórias e acontecimentos trágicos e felizes, com perdas e ganhos e esta bagagem é transmitida através dos pais e ancestrais de forma inconsciente, determinando repetição de padrões de comportamentos, crenças, emoções e sentimentos. Querendo, sabendo, gostando ou não, todos pertencem a um sistema familiar e funcionam em ressonância com este.
Todo sistema é regido por leis que definem as relações de seus membros e no caso dos sistemas humanos, aqui o familiar mais especificamente, são três as leis que regulam essas relações, as chamadas Ordens do Amor segundo Bert Hellinger, e são:
- Lei do pertencimento que diz que todos os membros têm direito de pertencer ao sistema.
- Lei da ordem ou hierarquia diz respeito ao lugar de cada um dentro do sistema com a força que este lugar lhe concede por precedência.
- Lei do equilíbrio entre o dar e receber diz que para uma relação ser saudável todos necessitam dar e receber de maneira equilibrada.
Quando uma destas leis é rompida isto gera uma desarmonia, os chamados emaranhados, e a consciência sistêmica buscará representá-la para que seja restabelecida a ordem. O objetivo é a evolução e a harmonia e consciente ou inconscientemente a força dos vínculos age fazendo com que os comportamentos e os desafios vividos no sistema sejam repetidos por outros membros, mesmo de gerações futuras. Ou seja, muitos dos nossos conflitos são sistêmicos (a maior parte) e não estão sob nosso controle consciente. Estamos vinculados a nossos ancestrais através de vínculos amorosos que buscam representar os emaranhados na tentativa de representar aquilo que foi desrespeitado e assim restabelecer a ordem e a harmonia que permite evoluir.
Diante de tais teorias que explicam muito bem os fatos, podemos agora entender porque é impossível controlar e evitar que nossos filhos carreguem algo nosso.
Ao nascer a criança traz consigo a chamada herança emocional e afetiva e por mais que os pais tentem evitar transmitir esta “carga”, ela é inconsciente e pertence a um campo intangível ao qual os pais também estão conectados inconscientemente. Seria o mesmo que ter olhos escuros e não querer transmitir esse gene aos filhos… não há controle.
Alguns irão perguntar: “Então não tem jeito? Tenho apenas que me conformar com meu destino e de minha família e deixar que isto passe a meus filhos?”
Claro que não… Ter consciência de que carregamos padrões de repetição e que muitos de nossos problemas são oriundos de leis que foram rompidas, permite-nos fazer escolhas e mudar este destino. Através do desenvolvimento do autoconhecimento podemos fazer diferente de nossos pais e ancestrais, mas esta tem que ser uma escolha em nome de nosso próprio processo de evolução e não em nome de um pseudo controle sobre a vida de nossos filhos.
Um bom começo é, conhecendo as leis sistêmicas, buscar respeitá-las. Quantos de nós querem ser aceitos e respeitados por nossos filhos, mas julgam, condenam e não aceitam os próprios pais, muitas vezes até excluindo-os como avôs. Rompem a lei da precedência e do pertencimento. Quantos de nós dão muito aos filhos esperando que eles supram nossas necessidades e assim rompemos a lei do equilíbrio e os impedindo de crescerem plenamente.
Aceitar verdadeiramente, sem julgamentos, sem vitimização, que nossos ancestrais, principalmente nossos pais, fizeram o melhor que puderam fazer, da maneira como puderam fazer, permite receber deles a força que nos impulsiona a dar a nossos filhos nosso melhor, sem culpa, sem tentarmos ser donos de suas vidas, sem fazer o jogo da vítima e do algoz.
Aceitar aqui não é ser conivente ou concordar, até porque não nos cabe esse papel e esse lugar; aceitar é simplesmente dizer “sim” e constatar que tudo foi como foi… ponto… e nada poderia ou pode mudar o que passou, as mudanças podem vir a partir de nós, apenas isso.
É importante também ressaltar que todos somos seres em aprendizado e evolução, portanto não sabemos plenamente o que é melhor para nós mesmos, menos ainda o que é melhor para os outros. Temos um visão do que acreditamos ser o melhor para nossos filhos e agimos dentro destas crenças, mas caberá a eles descobrirem o que de fato lhes é o melhor. Eles sofrerão suas próprias dores por escolhas deles, carregarão traumas aos quais não teremos acesso, viverão e crescerão como indivíduos únicos que vieram de nós, mas estão adiante de nós.
Então se queremos dar o melhor para nossos filhos, comecemos dando o melhor para nós mesmos, nos tornando seres humanos mais comprometidos com nosso próprio processo de evolução e autoconhecimento. Na ordem de precedência… primeiro os pais, depois os filhos.
¹ http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2007/06/campos_morfogeneticos.html